Ecossistemas e folclore: uma associação encantadora
Por Bely Pires
diretora do Instituto Auá
Quando se fala em ecossistemas geralmente os associamos a biodiversidade, florestas que provêm água, princípios ativos de plantas, regulação da qualidade do ar, temperatura, solos e tantos outros serviços ecossistêmicos já abordados em boletins anteriores. Dificilmente vamos lembrar do Caipora, por exemplo.
Sim, esse mesmo aí ao lado. A personagem peluda de cabeleira vermelha é uma entidade das florestas segundo nosso folclore, que protege os animais. Ele, assim como Saci, existe porque os ecossistemas, com suas matas e mistérios, inspiraram o imaginário do ser humano em intenso contato com a natureza e altamente dependente dela. São os serviços ecossistêmicos culturais folclorísticos, que além de mitos também são caracterizados por utensílios feitos a partir de recursos naturais; culinária associada a cultivos tradicionais harmonizados com ecossistemas; poemas que retratam imagens e sentimentos da vida em núcleos populacionais associados à realidade das matas no entorno; festejos e até as habitações feitas a partir de elementos da natureza.
No caso da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, a maior expressão desse serviço ecossistêmico está presente na cultura caipira, formada a partir das culturas portuguesa e indígena, que dominou por muito tempo a área abrangida pela RBCV. Repleta de referências às matas onde floresceu, essa cultura nos trouxe entidades como o Caipora e o Saci, utensílios como redes de cipó, casas de pau a pique, o bolo de fubá, paçoca, canjica, canções e poemas que retratam a vida rural rodeada de florestas. Porém, com a intensa urbanização da cidade de São Paulo e sua expansão, os ecossistemas, as populações caipiras e este serviço ecossistêmico tão importante para a formação de uma identidade cultural foram se extinguindo, restando muito pouco da cultura caipira legítima.
A destruição de ecossistemas vai muito além da crise de água, da péssima qualidade do ar, das enchentes, e da limitação de recursos genéticos: estamos falando de crise de identidade cultural.
Mais informações sobre este importantíssimo tema estarão disponíveis no capítulo sobre Serviços Ecossistêmicos Culturais Folclorísticos, coordenado pela pesquisadora do Instituto Florestal Cristina de Marco Santiago, no livro Serviços Ecossistêmicos e Bem-estar Humano na Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, a ser lançado este ano.