Construção participativa da cadeia produtiva de frutas nativas da Mata Atlântica no Vale do Paraíba, região Sudeste, Brasil
Mariana Pimentel Pereira – marianapimentelpereira@gmail.com
Bacharel em História, camponesa e dirigente do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Discente do Curso Educação Ambiental e Transição para Sociedades Sustentáveis – ESALQ, co-fundador da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba
Thiago Ribeiro Coutinho – marianapimentelpereira@gmail.com
Bacharel em Biologia, camponês, dirigente do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, bolsista da FAPESP, co-fundador da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba
Antonio Carlos Pries Devide – antoniocarlosdevide@gmail.com
Eng. Agrônomo, Dr., Pesquisador do Polo Regional Vale do Paraíba APTA, co-fundador da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba
A construção participativa da cadeia produtiva de frutas nativas da Mata Atlântica oferece aos produtores rurais dos assentamentos e acampamentos de Reforma Agrária na região do Vale do Paraíba do Sul uma alternativa de desenvolvimento sustentável para o campo, aliando fatores sociais, econômicos e ecológicos que são importantes no contexto atual planetário na atual crise da pandemia de Covid-19.
Dentre os fatores que agravam os sintomas de Covid-19 destacamos a falta ou a má alimentação baseada em produtos industrializados, ricos de ingredientes sintéticos que realçam o sabor, a cor, que garantem a estabilidade por longos períodos, mas que prejudicam a saúde por baixar a imunidade e predispor doenças tais como a diabetes tipo 2, a obesidade e problemas cardiovasculares que são condições predisponentes para o agravamento da Covid-19 (PNUMA 2020).
Diante desse grave panorama é necessário reconhecer a importância e o potencial do que temos de recursos alimentares ao nosso redor para promover a saúde e a conservação ambiental. É um desafio histórico reverter os traços que moldaram uma sociedade culturalmente marcada pela colonização de exploração dos recursos naturais que impôs a supervalorização dos produtos importados e desvalorizando a etnobiodiversidade tropical.
Esse passado fez com que desconhecêssemos a nossa biodiversidade fazendo com que encontrássemos na mesa do camponês e dos brasileiros urbanos uma enorme variedade de culturas alimentares exóticas, no caso das frutas, não menos diferente, que de tão presentes parecem terem sido originárias nessa região, produzidos nos padrões do agronegócio (monoculturas com alto uso de agroquímicos). No imaginário coletivo uma laranja e uma banana são tão comuns e tão presentes que mesmo a conhecida jabuticaba (Plinia cauliflora) passa desapercebida na cultura alimentar da população brasileira, apesar dos inúmeros benefícios para a saúde, assim como a grumixama (Eugenia brasiliensis) e a cereja da mata (Eugenia invulocrata) que também são ricas em compostos antioxidantes (MMA 2011).
Para transformar esse cenário, espécies subutilizadas e desconhecidas até então tem sido a interface do envolvimento de agricultores e agricultoras entorno da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba que mobiliza a sociedade e fomenta trabalhos em prol dos sistemas agroflorestais (SAF) visando consolidar a cadeia produtiva de frutas nativas em bases sustentáveis, para gerar renda com conservação ambiental, soberania alimentar e nutricional.
Os agricultores e agricultoras envolvidos atuam na construção da agroecologia na região por meio de mutirões agroflorestais com a seguinte metodologia:
- Apresentação do público participante, histórico da unidade de produção e dos agricultores e agricultoras que estão recebendo o mutirão;
- Estudo da paisagem em que um ou mais facilitadores induzem os participantes a relembrar os impactos no solo e na água em função das monoculturas (cana, café, pastagem e eucalipto) praticadas desde a colonização da região;
- Identificação de plantas herbáceas, arbustivas e arbóreas bioindicadoras do status da fertilidade do solo;
- Estudo da topografia e processos envolvidos na formação dos solos em terras altas (eluviação) e baixadas (iluviação);
- Estratégias a serem adotadas na conservação do solo (manejo da matéria orgânica, capina seletiva, plantio direto e cultivo mínimo, plantio em nível, consórcio de culturas, adubação verde e outros);
- Reconhecimento de funções das espécies utilizadas na implantação do SAF;
- Planejamento participativo e ajustes para implantação e manejo do SAF;
- Divisão em grupos de trabalho e trabalho prático em mutirão;
- Avaliação participativa e recomendações técnicas corretivas e para novas implantações/manejos;
- Confraternização e troca de sementes.
Desde o ano de 2012 dezenas de mutirões resultaram na implantação e manejo de novas áreas de SAF na região do Vale do Paraíba. Além de favorecer a agrobiodiversidade e a conservação ambiental, esses atores são levados à experienciar técnicas pedagógicas de aprendizado e ensino de maneira simultânea. Além de aprender fazendo, esses atores tornam-se pedagogos revelando aspectos da cidadania inclusiva regenerando tanto o ser humano quanto a paisagem regional com um dos solos mais degradados do Brasil, por onde passou o ciclo do café, cana-de-açúcar, pecuária e atualmente a silvicultura do eucalipto, resultando na fragmentação da Floresta Atlântica, convertida em pastagens extensivas e monoculturas que muitas vezes ocupam áreas ciliares e encostas íngremes, onde a aptidão do solo recomendaria a preservação permanente, sistemas agroflorestais ou a silvicultura com fins múltiplos.
A inclusão das frutas nativas nos SAF com grande variedade de espécies arbóreas demandou e estruturação da cadeia produtiva das frutas nativas da Mata Atlântica a partir do ano de 2019, com um aumentando acentuado no plantio dessas espécies devido ao interesse dos produtores e consumidores.
Os atores que participam desse trabalho recebem sensibilizações por meio da divulgação das espécies, tais como cambuci (Campomanesia phaea), cambucá (Plinia edulis), grumixama, uvaia (Eugenia pyriformis), cabeludinha (Plinia glomerata), juçara (Euterpe edulis), cereja da mata e outras tantas espécies, principalmente da família Myrtaceae, cujas mudas são produzidas regionalmente a partir de sementes coletadas pelos próprios camponeses que trocam mudas e mapeiam matrizes de frutas nativas, enriquecendo a diversidade e assegurando a conservação genética de populações dessas espécies por meio da conservação in situ e construção de um banco de germoplasma em SAF.
Este trabalho está sendo estruturado a partir do trabalho coletivo de camponeses com qualificação técnica e autônoma vinculados à Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi, do Pré – Assentamento Agroecológico Egídio Brunetto, em Lagoinha. Além da coleta de sementes, marcação de matrizes, há viveiros locais sendo estruturados para a produção de frutas nativas em Lagoinha, nos Assentamentos Conquista e Olga Benário, em Tremembé e Nova Esperança em São José dos Campos, além do Pólo Regional Vale do Paraíba – APTA em Pindamonhangaba. Essas articulações entre agricultores e técnicos está abrindo o mercado e impulsionando a transição agroecológica em bases sustentáveis nos territórios da Reforma Agrária e enriquecer os sistemas produtivos (SAF).
Referências bibliográficas
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