Vale do Paraíba caminha para conciliar conservação ambiental com nova economia local
É possível falar de novos caminhos para recuperar a floresta de todo o Vale do Paraíba e ainda prever como será a produção de mudas, os modelos de plantio, a silvicultura com fins econômicos, a proteção dos mananciais e os negócios florestais? No II Encontro dos Atores de Restauração Florestal do Vale do Paraíba, que aconteceu no dia 28 de novembro na UNITAU, esses temas puderam se integrar na busca por um novo modelo sustentável para a região. E ainda com a união de setores tão diversos como centros de pesquisa, prefeituras, propriedades rurais, ONGs nacionais e internacionais, comitês de bacia e empresas.
As perspectivas para um mercado sustentável com novos pomares de Mata Atlântica foram reveladas pelo Instituto AUÁ, com a apresentação do técnico Hamilton Trajano, que mostrou o quanto a restauração com espécies nativas pode trazer um novo ciclo de prosperidade dentro de um mercado em que todos ganham, numa região que devastou boa parte de suas árvores originais para diferentes ciclos como o da cana, milho, arroz e ocupação pelo gado.
“Além de colocarmos na mesa do consumidor frutas que são nossas, como o Cambuci ou o Araçá, valorizando a identidade local, trabalhamos a conservação da Mata Atlântica usando a economia a nosso favor. As nativas incluem frutas, mas também plantas medicinais, aromáticas, ornamentais e condimentares, que podem ter um enorme impacto positivo no aumento da renda do produtor, em um novo momento que sinalize riqueza para a cadeia produtiva como um todo”, expressa Hamilton.
Entre as experiências exitosas para a restauração, foram apresentadas a Rede de Sementes do Xingu com restauração de vegetação nativa por semeadura direta, as experiências de agricultores da rede agroflorestal do Vale do Paraíba da APTA-SAA, a criação do mercado da cadeia florestal multifuncional do Vale pelo Instituto Coruputuba, o Plano de Desenvolvimento Florestal Territorial para a porção paulista do Vale pela WRI Brasil, ou os Arranjos Econômicos para restauração em larga escala pelo WWF-Brasil.
Degradação e recuperação
Um dos saldos importantes do encontro foi a organização dos participantes em torno da Rede de Atores de Restauração Florestal do Vale do Paraíba, que deverá ser lançada em 2018. O objetivo é a união para trabalhar pela vocação florestal da região, degradada por grandes extensões de pastagens onde a terra era quase inteiramente coberta por florestas.
Além disso, hoje o Vale do Paraíba é responsável pelo abastecimento de uma grande metrópole, o Rio de Janeiro, e futuramente fornecerá água para São Paulo, fazendo com que a recuperação ambiental seja determinante para o suprimento da água que irá movimentar um enorme parque industrial. “Pode-se dizer que existe uma feliz confluência de interesses públicos e privados capazes de tornar realidade a restauração de nossas paisagens”, declara Alexandra Andrade, Coordenadora de Relações Institucionais do Instituto OIKOS de Agroecologia e organizadora do encontro.
Segundo Cláudia Prudente, técnica em agroecologia do Instituto AUÁ, a região do Vale do Paraíba próxima às zonas de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Mar, que é onde a floresta ombrófila densa é mais expressiva, tem mais de 70% do território ocupado por pastagens para o gado leiteiro e de corte, com baixa qualidade produtiva e em um local de relevo pouco favorável.
“É um fator de grande impacto para a preservação dos recursos hídricos e a manutenção dos serviços ecossistêmicos, pois o solo possui alta declividade e é favorável à erosão. Com a perda da cobertura de vegetação e uma atividade econômica não apropriada para a região, aumentou o nível de degradação do solo e da água, acarretando em problemas como inundações, a exemplo daquela que devastou São Luiz do Paraitinga em 2010”, reforça Cláudia.
Nesse sentido, o potencial da fruticultura nativa representa importante alternativa para as famílias do campo e responde à grande necessidade de restauração ecológica das áreas degradadas. “O uso de espécies nativas com potencial econômico tem forte atrativo pois permite a transição no uso da terra e o manejo do solo, enquanto a criação de gado é a menos indicada para gerar renda e promover a conservação”.
Uma rede futura
Em setembro de 2016, formou-se um Grupo de Atores da Restauração a partir do I Encontro dos Atores da Restauração do Vale do Paraíba, promovido pelo Instituto Oikos de Agroecologia. Já se mostrava a diversidade de organizações e pessoas envolvidas com o tema, seja em políticas públicas, no financiamento da restauração, na pesquisa e geração de conhecimento, até o planejamento e implantação de ações, extensão rural e mobilização de produtores rurais, produção de mudas e sementes florestais.
“Tivemos novos membro no encontro deste ano e o interesse em participar do grupo só cresceu. Muitas ações aconteceram no decorrer de 2016 e 2017, como a elaboração de um diagnóstico da cadeia da restauração para o Vale, e existe uma clara intenção de colaboração dentre os diversos atores. O próximo passo é virmos a funcionar como uma rede de restauração efetivamente implementada”, afirma Alexandra.
Segundo ela, a Rede Agroflorestal que já existe está disseminada em vários municípios e existem novos proprietários envolvidos a cada ano, além das organizações que oferecem suporte técnico e apoio a eles, incluindo compensações ambientais de grandes empreendimentos na região. Já para a restauração florestal ocorrer, é preciso que haja demanda, ou seja, retorno econômico para os proprietários rurais, sempre com as garantias jurídicas do exercício desta atividade florestal.
Já Cláudia Prudente, do Instituto AUÁ, acredita que os pomares de Mata Atlântica possuem grande potencial para a recuperação da região, pois as espécies são endêmicas, ocorrem naturalmente ali e há essa grande necessidade de os proprietários usarem a terra de forma mais sustentável. “A biodiversidade local é fator chave para gerar diversidade de produtos, tirando a dependência do produtor de uma única forma de produção ou atividade da sua terra”, finaliza.