Oficina mostra cara de quem recupera frutas nativas e valoriza cultura dos quintais locais

No ritmo do crescimento urbano, São Paulo perdeu quase toda sua vegetação nativa original, tornou-se a cidade do automóvel e viu os edifícios ocuparem o lugar das tradicionais casas com quintal. Eram nos quintais em torno das residências que se expressava o cultivo de múltiplas espécies, as quais forneciam parte da alimentação das famílias, como frutas, hortaliças e até ovos e animais. Com seu desaparecimento, sumiram também os pés de frutíferas como o Cambuci, a Jabuticaba, a Pitanga.

O tema inspirou a oficina “A Mata Atlântica no seu quintal”, que aconteceu no último dia 27 de maio, Dia Nacional da Mata Atlântica, no Mercado Municipal de Pinheiros, em São Paulo. A iniciativa do Instituto Auá e Instituto ATÁ trouxe produtores e especialistas para debater o significado do plantio dessas árvores nativas no retorno da biodiversidade, na qualidade de vida e na identidade de nossa cultura paulistana.

Apesar de esquecidas pelos moradores, o Cambuci, a Uvaia ou o Araçá estão no “nosso quintal”, são endêmicas da Mata Atlântica, e puderam ser melhor conhecidas ao vivo, com mudas expostas ao público, publicações e materiais impressos, e na degustação de geleias, licores, antepastos e um caldo especial de mandioca com Cambuci, feito pelos produtores de Parelheiros, extremo sul de São Paulo.

A produtora Beth Sá vive no bairro e contou a todos como se encantou pelas espécies da mata que tinha ao lado de casa, sendo uma das pioneiras no cultivo de mudas de Cambuci na região. “Descobri que tinha um pé de 50 anos no sítio, passei a fazer suco e aos poucos aprendi a tirar a semente, chegando a produzir até 3,5 mil mudas por ano. Hoje vivo da cozinha, com dezenas de produtos à base de nativas, tiro tudo o que uso do quintal e consegui recuperar a paisagem natural do sítio”, explicou Beth.

O especialista em cultivos urbanos e educador Clóvis Oliveira, lembrou que a separação entre o urbano e o rural levou ao esquecimento sobre como é feita a comida, de onde vem o alimento e quem produz o que compramos. “Plantar na cidade tem a ver com isso, se perdemos os quintais, podemos começar a construir alternativas, usar a praça, cultivar em terrenos vizinhos, unir pessoas e até influir nas políticas públicas de onde vivemos”, destacou.

Segundo Clóvis, hoje a capital possui um movimento importante de agricultura urbana, seja em cultivos que geram renda, com produção significativa, como na zona leste, seja em hortas urbanas e plantios em praças, que geram “colheitas sociais”, como aprendizado sobre o alimento, consumo consciente e compromisso com produções mais limpas e sustentáveis.

O plantio de árvores também reflete na conexão da paisagem, atraindo pássaros, fauna e novas espécies que passam a circular entre essas manchas de verde. Mas seus desdobramentos vão além do efeito ambiental. A história da produtora Cleuza Maria, revela esse potencial, pois a partir de um único pé de Cambuci antigo, dentro do quintal de sua casa em Ribeirão Pires, a família aprendeu a colher, higienizar, armazenar e criar uma linha de produtos à base do fruto, que implicam em geração de renda própria.

Hoje já são mais de 13 pés de Cambuci, Uvaia, Grumixama e outros no terreno de 800 m2, “e digo que nada expressa o que significa ter parte da Mata Atlântica em casa, nos sentirmos guardiões do Cambuci, além de melhorar a saúde da família conforme mudamos o que comemos”, contou na roda de conversa da oficina.

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