Com Caraguatá e Cambuci, produtor local mantém viva cultura de Paraibuna

Como acontece com muitas plantas esquecidas em grandes cidades, as qualidades dos frutos nativos da Mata Atlântica são reveladas pelas mãos dos produtores locais que, com seus saberes, mostram que é possível usar a biodiversidade sem destruir. É o caso do Caraguatá, bromélia de mais de 1 metro e meio de altura que cresce nos campos próximo à mata, com frutos amarelos que originam receitas exclusivas e mantêm viva a cultura tradicional.

Na zona rural de Paraibuna, Cinturão Verde de São Paulo, o Sítio JJ é a fonte de uma variedade de receitas artesanais que trazem a marca da identidade da região. A bebida produzida ali se transforma em cachaça curtida no Caraguatá e no Cambuci, licor de Jabuticaba, além da Cana virar melado e a tradicional rapadura 100% artesanal, a qual tem enriquecido a merenda das escolas de Jambeiro e Paraibuna.

O produtor José Joaquim Ramos de Almeida, o Jotinha, e a esposa Maria Neide de Souza, já são conhecidos pela Pinga Jotinha ou as cachaças Marvada Neide, que levam meses de preparo antes de chegar ao comércio. Mas é a própria história pessoal de Jotinha, descendente da primeira família mineira a ocupar a região com uma fazenda de gado de 1,1 mil alqueires, que revela mais sobre o papel da atividade rural na recuperação da paisagem natural.

“O caminho de dedicação à terra foi longo, herdei parte da fazenda mas acabei estudando engenharia civil em São Paulo. Aos poucos, fui voltando nos finais de semana, comecei a emendar a segunda, terça, fui reformando a área, até decidir ficar. Por ser um terreno acidentado e montanhoso, a ideia foi plantar Cana nas partes mais planas, com a finalidade de produzir cachaça. Aí começou também o plantio de árvores frutíferas…”, conta Jotinha.

Com 15 nascentes, sua área abastece o ribeirão Fartura, formador da bacia do Paraibuna, e a propriedade foi uma das beneficiadas do Programa de Recuperação de Matas Ciliares, do governo do Estado de São Paulo, por seu papel estratégico na conservação da água. Mais de 12 mil árvores foram plantadas na fazenda por meio do programa, ainda na década de 1990, e hoje ele comemora hoje a visão da mata fechada às margens dos 1,1 quilômetros de rio que corre na propriedade. Além das espécies madeireiras, boa parte eram frutíferas originais da Mata Atlântica, atraindo passarinhos e outros animais que trouxeram a biodiversidade de volta à fazenda.

“A mata vai voltando sozinha, não precisa mexer, mas posso usar as espécies frutíferas como o Cambuci, sem degradar a natureza. Mantenho a Cana, pois digo que também é uma espécie ‘abençoada’, durante o frio está no auge da produção, serve de alimento aos animais e ainda uso o bagaço com esterco para fazer composto”, diz.

A produção de cachaça artesanal unida ao paladar das frutas nativas foi o caminho natural de investimento, com base numa nova economia que valoriza os recursos típicos e genuínos de sua região.

Tempo certo e colheita delicada

Ainda jovem, era comum ao produtor entrar na mata e observar a concentração de pés de Cambuci silvestres ao longo das trilhas locais, assim como guarda a memória do armazém do “alemão”, que foi o primeiro produtor de xarope de Paraibuna com o fruto brasileiro. Segundo ele, espécies como o Caraguatá e o Cambuci conservados no xarope são parte da cultura local, mas só há pouco tempo vêm sendo valorizados.

Os Caraguatás, por exemplo, eram plantados pelos antigos unicamente para impedir a passagem do gado no meio do pasto, devido a seu tamanho e espinhos dolorosos. “Foi no evento Revelando São Paulo, há vários anos, que provei a bebida de um senhor, com xarope de Caraguatá, limão espremido, mel e cachaça, fui percebendo o potencial e o sabor do fruto, aí comecei a testar”, lembra Jotinha.

Junto com a esposa Neide, criaram a marca Marvada Neide, sucesso nas festas da cidade e nos festivais do Cambuci. Um único pé do fruto no quintal da casa de Neide se transforma em até 500 litros de cachaça, “após oito meses curtindo nas bombonas, pois tem coisa que demora, tem o tempo certo e só pode ser feita com cachaça de qualidade”.

A delicadeza da produção é a mesma com o Caraguatá: produtores locais colhem as bagas do fruto entre abril e julho, o qual precisa ser amassado para quebrar as fibras, ser fermentado por meses no reservatório, filtrado, e só então apurado na panela com açúcar, dando origem ao xarope. Este é vendido em pequenos frascos para os beneficiadores da cachaça.

“Há muita gente querendo trabalhar com o Cambuci e os frutos nativos, porém há muitos conhecimentos tradicionais a serem passados, o jeito certo de colher, sempre no chão, o uso correto das diferentes variedades, cada uma tem um sabor e muda de acordo com a região”, explica Jotinha.

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