Como o Instituto Auá está fazendo a transição para o status de negócio social – sem deixar de ser ONG

Reportagem exclusiva no Projeto DRAFT que permite entender como o Instituto AUÁ vem abrindo um novo caminho no terceiro setor. Não deixe de ler!

Por  – Projeto DRAFT – 7 de Maio de 2018

Recuperar a Mata Atlântica de forma sustentável e rentável é o grande objetivo do Instituto Auá de Empreendedorismo Socioambiental. Para isso, a ONG que, em tupi, significa gente (o que traduz o significado de seu trabalho, voltado à valorização do potencial humano e de sua diversidade) está consolidando uma transformação no modelo de atuação para garantir a autossustentabilidade por meio do empreendedorismo.

A inspiração para mudar, como conta o presidente da organização, Gabriel Menezes, 41, veio de Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em 2006, e pai do microcrédito e dos negócios sociais, ou seja: aquele que além de impacto positivo geram lucro. A estratégia é criar empreendimentos que trabalhem em prol de uma causa maior — a recuperação da Mata Atlântica —, tenham impacto positivo tanto para as pessoas envolvidas quanto para o território onde estão e gerem receita para ser reinvestida nos próprios projetos do Auá. Ele fala a respeito:

“Minha missão é convencer as pessoas de que conservar a Mata Atlântica é o melhor negócio, seja na gastronomia, no turismo, na indústria ou na agricultura”

Em uma ONG convencional, o dinheiro vem de parcerias com governos e empresas, além de doações. Nesse novo modelo, as unidades de negócios próprias se tornam a principal fonte de renda e permitem maior liberdade e longevidade para os projetos. Gabriel vê dois principais problemas no funcionamento tradicional de uma ONG: “Trabalha-se mais a partir daquilo que o financiador quer do que a partir do que nós queremos. E quando o trabalho começa a ficar bom, acaba o financiamento e temos que parar o projeto”.

Já com a lógica de negócios sociais, o Auá consegue atuar diretamente na causa que defende e ainda gerar renda para as pessoas envolvidas no trabalho e para a própria instituição se manter e crescer. No entanto, isso não significa deixar de ser ONG e abandonar completamente as outras formas de financiamento, como conta o presidente: “No terceiro setor, a renda pode vir da venda de produtos e serviços, das doações e dos impostos, por meio das isenções fiscais. A autossustentabilidade vem de conseguirmos equilibrar essas fontes receita.” Hoje, 30% do orçamento do Instituto Auá é resultado da venda de produtos, 50% de projetos e serviços e 20% dos rendimentos de aplicações financeiras.

O CAMINHO PARA A INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA

O processo de mudança da Associação Holística de Participação Comunitária e Ecológica, fundada em 1997, pela agrônoma Ondalva Serrano, para o que hoje é o Instituto Auá de Empreendedorismo Socioambiental começou em 2013 com uma série de imersões e reuniões de planejamento.

Em 2014, o novo modelo de gestão começou a ser implantado, sempre mantendo uma ligação com os princípios que deram origem à ONG, focada em oferecer educação integral e geração de renda a jovens moradores da área considerada Cinturão Verde, em São Paulo. “Construir um projeto de vida profissional que concilia os dons e vocações de cada um com uma atividade econômica que promova a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável é o alicerce do Instituto Auá desde o começo”, conta Gabriel.

Formado em geografia, há 20 anos, ele trabalha com organizações não governamentais e projetos de economia solidária. “Desde que me conheço por gente, meu sentido de vida é trabalhar pelo justo. Minha mãe é economista e, junto com meu pai, sempre trabalhou por uma sociedade mais justa”. Gabriel acredita que ser um negócio de impacto social é o futuro das ONGs, mas sabe que há um longo caminho a ser percorrido. Ele fala mais a respeito:

“ONG que empreende ainda é um tabu. Quando comecei a falar que a gente precisava entrar no mercado, vender produtos e serviços, as pessoas diziam que eu tinha virado a casaca”

Desde que as mudanças começaram a ser implementadas, o Instituto Auá já aportou cerca de 3 milhões de reais na criação e gestão de seus negócios. Esse dinheiro veio de um fundo de investimento patrimonial feito ao longo de anos com a verba arrecadada em grandes projetos. A maior quantia, 2 milhões de reais, foi investida em estrutura (aquisição e reforma de um galpão e construção de câmaras frias) e na compra de produtos para fazer rodar a Rota do Cambuci e a Agência de Ecomercado.

DIVERSIDADE DE NEGÓCIOS COM FOCO EM SALVAR A MATA ATLÂNTICA

Rota do Cambuci nasceu em 2009 como um roteiro de festivais gastronômicos que aconteciam em cidades do entorno de São Paulo onde havia produção do cambuci, uma fruta nativa da Mata Atlântica que quase entrou em processo de extinção. Para transformar isso em um negócio, o Instituto Auá criou, em 2014, o Arranjo Produtivo do Cambuci, uma espécie de organização dos produtores e processadores do fruto.

Eis o cambuci: fruta nativa da Mata Atlântica que o Instituto Auá ajuda a preservar.

O resultado foi um salto na produção de sete toneladas, em 2014, para 80 toneladas, em 2018. O número de produtores cresceu de 10 para 100 no mesmo período.

A produção, agora, vai além do cambuci e inclui outras frutas nativas da Mata Atlântica, como jussara, uvaia, grumixama, jerivá e butiá. Nesse esquema, o Instituto atua como uma empresa de distribuição. “A gente compra desses produtores para garantir a renda deles durante a safra e colocamos esses produtos no mercado ao longo do ano.”

A Agência de Ecomercado complementa esse arranjo produtivo e atua nas áreas de produção, comercialização,  microfinanças, realiza oficinas e projetos de capacitação e incubação de ecoempreendimentos, mobilização de parcerias e formação de acordos econômicos sustentáveis. É dividida em cinco unidades de negócios: Empório Mata Atlântica, Armazém Biomas, Box Mata Atlântica, Sabor Nativo e Pomares Mata Atlântica.

O Empório Mata Atlântica é uma marca de produtos que vêm da floresta. É por meio dele que se estabelece a relação do mercado de produtos nativos com o consumidor final. “O consumidor é nosso grande desafio nesse projeto. Se ele não der valor ao que é sustentável, a mudança não vai acontecer”, diz Gabriel. As frutas nativas são congeladas ou transformadas em geleias (18 a 20 reais), cachaças (69 reais), biscoito (7 reais), picolés (6 a 8 reais) etc e entram no catálogo de produtos da marca, vendidos e distribuídos pelo Instituto Auá para restaurantes, chefs e lojas.

E a ideia vai além. “Queremos ter estandes, quiosques em shopping e até um modelo de franquia do Empório Mata Atlântica”, afirma Gabriel. Por enquanto, boa parte é comercializada no Box Mata Atlântica, um espaço dentro do Mercado de Pinheiros, em São Paulo, gerido em parceria com o Instituto Atá e o Instituto Socioambiental.

Entre os produtos comercializados pelo Auá estão picolés feitos com frutas da Mata Atlântica.

Já o Armazém Biomas, faz a logística da venda e distribuição dos produtos, não só da Mata Atlântica, mas também de outros biomas. Ele atua comprando e revendendo a mercadoria ou fazendo a representação comercial e recebendo uma comissão sobre a venda.

Enquanto isso, o Sabor Nativo funciona como um serviço de buffet para eventos e oficinas gastronômicas e é uma forma de escoar a produção e dar mais visibilidade aos produtos da Mata Atlântica.

Por fim, o Pomares Mata Atlântica é uma metodologia de cultivo consorciado das plantas nativas para garantir a diversidade de espécies e a preservação da biodiversidade. Essa unidade de negócios também prevê a criação de um banco de áreas para que a iniciativa privada possa fazer compensação ambiental, neutralização de carbono ou mesmo ações de responsabilidade socioambiental. “O Pomares Mata Atlântica é o que garante que toda a nossa estratégia comercial vai, de fato, trazer a paisagem do bioma de volta”, diz Gabriel. E prossegue:

“Nosso projeto não é extrativista, é agrícola. Queremos que a mata em pé dê mais dinheiro para o agricultor do que as monoculturas”

Em 2017, o Instituto faturou 1 milhão de reais. Ao todo, 70% desse valor veio da Agência de Ecomercado. Para 2018, a previsão é chegar aos 3 milhões de reais. “Começamos com um produto que ninguém conhecia em um mercado que não existia. Dobramos o giro a cada ano e, no 5º ano de atividade, esperamos fechar no azul”. Vida longa à Mata Atlântica!


 

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